Kit para
sobreviver aos primeiros dias do jardim de infância (por Eduardo Sá)
1. É proibido insultar o jardim de
infância chamando-lhe “escolinha”. Em primeiro lugar, porque é uma escola. Em
segundo, porque todas as escolas ganhavam se ligassem brincar com aprender.
2. É proibido que os pais imaginem que o jardim-de-infância
serve para aprender a ler e a contar. Ele é útil para aprender a descobrir
os sentimentos. Para aprender a imaginar e a fantasiar. Para aprender com o
corpo, com a música e com a pintura. E para brincar. Uma criança que não
brinque deve preocupar mais os pais do que se ela fizer uma ou outra birra,
pela manhã, ao chegar.
3. O jardim-de-infância assusta as crianças sempre que os
pais – como quem sossega nelas os medos deles por mais um dia de jardim-de-infância
– lhes repetem: “hoje vai tudo correr bem!”
4. Os pais estão proibidos de despedir-se muitas vezes
das crianças, ao chegarem todos os dias. E é bom que se decidam: ou ficam contentes por elas
correrem para os amigos ou ficam contentes por elas se agarrarem ao pescoço
deles, como se estivessem prestes a ser abandonadas para sempre.
Já os pais que, secretamente, gostam das duas coisas são bons amigos dos maus
pais…
5. É proibido que as crianças vão dia sim dia não ao
jardim de infância. E que vão, simplesmente quando os seus caprichos infantis
vão de férias. E que não vão “só porque sim”. O jardim-de-infância não é um
trabalho para os mais pequenos. É uma bela oportunidade para os pais não se
esquecerem que se pode amar o conhecimento, namorar com a vida, nunca ser feliz
sozinho e brincar, ao mesmo tempo.
6. No jardim-de-infância não tem de ser obrigatório comer
até à última colher; nem dormir todos os dias. E não é nada mau que uma criança
se baralhe e chame mãe à educadora (ou vice-versa). Só é mau que sofra todos os
dias, meses a fio, sempre que se trata de lá ficar.
7. Os pais estão obrigados a chegar a horas quando se
trata de uma criança regressar a casa. Prometer e faltar devia dar direito a
que os pais fossem classificados como tendo necessidades
educativas especiais.
8. Os pais não podem exigir aos filhos relatórios de cada
dia de jardim-de-infância. Mas estão autorizados a ficar preocupados se as
crianças forem ficando mais resmungonas, mais tristonhas ou, até, mais aflitas,
sempre que regressam de lá. E estão, ainda, autorizados a proibir que o jardim-de-infância
só se abra para eles durante as festas ou sempre que uma
criança esteja doente.
9. O jardim-de-infância é uma escola de pais. E
um lugar onde os educadores são educados pelas crianças. Um lugar onde todos se
educam uns aos outros não é uma escola como as outras. É um jardim-de-infância.
10. Um dia, num mundo mais amigo das crianças, todas as
escolas serão jardins de infância!
Revista Educação
de Infância, n.º 19, Porto Editora
Sem comentários:
Enviar um comentário